sexta-feira, 27 de junho de 2014

CALVINISMO: VONTADE HUMANA SUBJUGADA E SINÉRGICA

Com este desembaraço, fluem as palavras de João Calvino (‘Institutas’, vol. II, págs. 97, 98, 99)

“Com efeito, quando, ofendido e como que fatigado por nossa obstinação inquebrantada, isto é, removida sua Palavra, na qual costuma exibir algo de sua presença, o Senhor nos deixa por um pouco, e empreende a experiência do que tenhamos de fazer enquanto ele está ausente, daí se conclui erroneamente haver certos poderes de livre-arbítrio que Deus contempla e testa, quando não o faz para outro fim senão forçar-nos a reconhecer nossa nulidade.
Com efeito, um tanto mais forte é esta segunda objeção: que a Escritura, com freqüência, afirma que nós, de nós mesmos, adoramos a Deus, preservamos a justiça, obedecemos à lei, somos zelosos em boas obras. Uma vez que estas são funções próprias da mente e da vontade, como conviria atribuir estas coisas ao Espírito e, ao mesmo tempo, nos serem atribuídas, a não ser que houvesse certa conjunção de nosso esforço com o poder divino? Dessas futilidades nos desvencilhamos sem qualquer dificuldade, se ponderamos apropriadamente a maneira em que o Espírito do Senhor opera nos santos. É improcedente aquela comparação com que odientamente nos rotulam, pois quem carece de entendimento a tal ponto que creia que o impulso de um homem nada difere do arremesso de uma pedra? Na verdade, de nossa doutrina não se deduz nada que seja semelhante. Entre as faculdades naturais do homem nos reportamos ao aprovar, ao rejeitar; ao querer, ao não querer; ao esforçar-se por, ao resistir a; isto é, aprovar o que é fátuo, rejeitar o que é essencialmente bom; querer o mal, não querer o bem; fazer esforços em relação à iniqüidade, resistir à retidão. Que faz aqui o Senhor? Se quer utilizar-se de depravação desta natureza como instrumento de sua ira, a dirige e a dispõe como bem lhe aprouver, para que execute sua boa obra através de mão ímpia.
Portanto, o homem celerado que, enquanto diligencia por obedecer apenas à sua concupiscência, assim serve ao poder de Deus, porventura o compararemos com uma pedra que, acionada por impulso alheio, não é impelida nem por motilidade, nem por sensibilidade, nem por vontade própria? Vemos, pois, a grande diferença que existe!
Por essa razão, diz Agostinho: “Dir-me-ás: Portanto, não agimos, sofremos ação. Pelo contrário, ages e sofres ação, e então ages bem, se do bom estás a sofrer a ação. O Espírito de Deus que age sobre ti é ajudador dos que agem. O designativo ajudador prescreve que também tu ages em certa medida.” No primeiro membro dessa alternância inculca ele que a ação do homem não é suprimida pela atuação do Espírito Santo, por isso que a vontade, que é regida para que aspire ao bem, lhe é da própria natureza.”


“Ofendido”?! “Fatigado?!” Mas como poderia o homem, assumindo atitude de rebelião, isto é, não se deixando quebrantar (como se possível isso fosse, calvinisticamente falando), conduzir Deus à fadiga”, se somos todos, em todos os nosso pensamentos, ações e omissões, inarredavelmente dirigidos por Ele próprio, quer para o bem, quer para o mal? Esta, a propósito, é a centralidade da tese doutrinária do citado escritor, estampada na definição que ele mesmo alinhava como sendo predestinação:

"...Chamamos predestinação o eterno decreto de Deus pelo qual houve por bem determinar o que acerca de cada homem quis que acontecesse. Pois ele não quis criar a todos em igual condição; ao contrário, preordenou a uns a vida eterna; a outros, a condenação eterna. Portanto, como cada um foi criado para um ou outro desses dois destinos, assim dizemos que um foi predestinado ou para a vida, ou para a morte."

O homem celerado”(!?) não fora assim, exatamente assim, criado por Deus, não fora assim direcionado por Deus? Essa sua maneira ímpia ou celerada de ser certamente NÃO derivou de sua livre escolha ou de seu arbítrio!!

E que diferença faz se o chamarmos de ou se o compararmos a “PEDRA DE ARREMESSO” ou “MADEIRA SUSCEPTÍVEL”, se o que ele se propõe a fazer no curso de sua vida não procede de seu próprio umbigo ou de seu restrito e finito cérebro?!

O francês Calvino demonstra o propósito de transmitir ou de “explicar”(sic) que, mesmo sendo, por Decreto de Deus, eternamente ímpio, o que de impiedade o homem pratica não o torna semelhante a uma PEDRA ARREMESSADA, pois que fá-lo com “sensibilidade e vontade” próprias?!

“...Pelo contrário, ages e sofres ação, e então ages bem, se do bom estás a sofrer a ação.”

Incrível e inadjetivável essa incursão de Calvino!! Intentar explicar o inexplicável, intentar reduzir a  “compêndio” ou a “tratado” a imensurável grandeza de Deus, intentar fracionar ao microscópio do intelecto de meros homens a insondabilidade daquilo que de Deus não nos é revelado, constitui ou representa algo como uma invectiva aos cristãos, e uma afronta a Deus.

Tais coisas são altíssimas e, obviamente, não estão ao alcance de nenhuma inteligência ou, mais exatamente, de nenhuma “inteligência” humana. A própria Bíblia o diz de várias maneiras, e esta é uma delas: Deus é mui grande e nós não o podemos compreender”.

Entre outras variantes, percebo neste livro chamado “Institutas da Religião Cristã”, que o autor francês Jean Cauvin parece ter uma espécie de fixação pelo inexplicável, pelo insondável. Parece ter predileção por “altos raciocínios”, por demonstrar o que provavelmente entende como erudição (como se de erudição a espiritualidade estivesse a depender), na medida simples em que não fala, não se detém nas coisas INCONTÁVEIS que na Bíblia estão contidas, ditas por Deus, ditas pelos Profetas, ditas pelo Senhor Jesus, ditas pelos Apóstolos, num diálogo pleno de amor, de chamamento, de convite, de comiseração em relação ao homem pecador, de lamentos em relação à morte ou aos desvarios do homem; do cotidiano simples de pessoas simples, porque simples somos todos em nosso cotidiano, desde Adão, desde Noé, desde Abraão, desde todos os homens que por Deus criados à sua imagem e semelhança, feitos pouco menores do que os anjos e coroados de glória e de honra.


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