segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

GRAÇAS A QUEM?! GRAÇAS A QUÊ?!

Em todo o mundo dito ocidental, onde predomine certa liberdade religiosa, e com maior ênfase neste país chamado Brasil,  existe o arraigado hábito, em todas as camadas da sociedade, de recitação solene e em bom som da popularíssima ou hiperpopular expressão GRAÇAS A DEUS.

Desde as pessoas mais simples no sentido de graduação instrucional e de possessão de bens, passando por abastados, milionários, intelectuais, até políticos, congressistas, governadores, presidentes de república, artistas, atletas, apresentadores de televisão, ladrões, assassinos etc., todos eles mantêm a postos ou em alerta, ou "em guarda", ou sempre prontíssimo para uso, o chavão "GRAÇAS A DEUS".

E pouco importam os motivos ou pouco se atina para os motivos, pois o que se faz essencial ou visceral ou vital, quase como o quase imperceptível ato de respirar o poluído oxigênio que ainda existe na atmosfera, é ter invariavelmente na ponta da língua o solene, cerimonioso e místico "GRAÇAS A DEUS".

E "Graças a Deus" daqui, "Graças a Deus dali", "Graças a Deus" d'acolá, "Graças a Deus" por isso, "Graças a Deus" por aquilo, numa série infindável e sempre crescente de razões ou aparentes razões para o imprescindível "Graças a Deus", que não apenas integra uma espécie de cultura do povo, mas funciona também como um mantra, algo que imperativamente se deve pronunciar com vistas à obtenção ou à manutenção de uma certa proteção divina.

A chuva caiu: "GRAÇAS A DEUS"; o sol surgiu: "GRAÇAS A DEUS; consegui um emprego: "GRAÇAS A DEUS"; meu chefe ou superior foi demitido: "GRAÇAS A DEUS"; minha mulher está grávida: "GRAÇAS A DEUS"; ganhei na loteria: "GRAÇAS A DEUS"; comprei uma casa: "GRAÇAS A DEUS"; meu time foi campeão: "GRAÇAS A DEUS"; meu desafeto morreu: "GRAÇAS A DEUS"; passei no vestibular: "GRAÇAS A DEUS"; escapei da polícia: "GRAÇAS A DEUS"; pratiquei um latrocínio "da hora" ontem: "GRAÇAS A DEUS"; passei a perna num otário: "GRAÇAS A DEUS"; terroristas mataram trezentas pessoas numa só explosão e mutilaram quarenta e cinco outras: "GRAÇAS A DEUS"...

Existem também aquelas pessoas que, talvez mais tímidas ou pouco à vontade ou algo símile, igualmente não abrem mão dessa quase-mágica expressão, mas fazem-no de um modo mais peculiar, mais fluido e mais cômodo, como "GRAZADEUS":

A sexta-feira chegou: "GRAZADEUS"; vou encher a cara no fim de semana: "GRAZADEUS"; a maconha vai ser liberada no Brasil: "GRAZADEUS"; consegui um atestado médico para faltar ao trabalho por três dias: "GRAZADEUS"; arranjei um emprego onde trabalho pouco e ganho muito: "GRAZADEUS"; não consigo chegar no trabalho na hora certa, mas "GRAZADEUS" tenho um colega que aciona o cartão de ponto pra mim; uma mão lava a outra: "GRAZADEUS"...

E o tempo prossegue em seu inexorável ritmo, e o mundo avança, e as catástrofes se avolumam, e as crises se agravam, e as tragédias pessoais se sucedem, e as famílias se implodem, e o sentido da vida se esvai, e a própria vida se exaure, tudo isso respingado, permeado e trazendo em si pendurados os milhões, talvez bilhões, talvez trilhões, de incessantes, inevitáveis, automatizados, robotizados e ininterruptos brados ora de GRAÇAS A DEUS, ora de "GRAÇAS A DEUS" e freqüentemente de "GRAZADEUS".


E encerra-se este texto, GRAÇAS À FINITUDE DE TODAS AS COISAS CIRCUNSCRITAS À TEMPORALIDADE FÍSICA DO SER HUMANO.

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