sexta-feira, 24 de maio de 2013

ECOS DE UM DIÁLOGO

Ouvi, certa vez, alguém dizer de seu desconforto e até embaraço diante de decisões e posturas que se adotam no curso da vida.

Discorria ele sobre as coisas que necessariamente e inevitavelmente sucedem na vida de qualquer vivente, e que constituem o rotineiro dia-a-dia, lado a lado com aquel’outras que despidas de imperiosidade e, portanto, perfeitamente evitáveis, adiáveis ou lançáveis ao perpétuo esquecimento.

O referenciado embaraço vinculava-se (e vincula-se) essencialmente à imprescindibilidade de exercício salutar da racionalidade e do discernimento, máxime tratando-se de cristão na acepção pura (não distorcida) do vocábulo.

Tudo começou (prosseguiu ele) com a leitura atenta e submissa da Palavra de Deus, segundo a qual a simplicidade representa uma das virtudes viscerais do ser humano, aliadamente à mansidão, à longanimidade, à humildade, ao refreamento da língua; tudo isso, entre outras nuanças existenciais, sofrendo constantes ameaças derivadas da inquietante questão da vaidade por consectário da qual podem sobrevir percalços e até mesmo tragédias pessoais, familiares e comunitárias.

Mantive atentos os ouvidos e achei interessantes as exemplificações práticas apresentadas pelo meu interlocutor, ele que se propôs a si mesmo uma série de questionamentos acerca das razões que levam o ser humano a empreender pensamentos, esforços, sinergia e, recorrentemente, à entrega total em busca de alvos específicos que jamais se exaurem, eis que parece haver uma insaciável sede de realizações (se assim se puder chamar) pessoais, avidez essa incrustada e acalentada no íntimo de cada qual.

Dizia audivelmente e introspectivamente: Por que não me basta possuir uma casa onde eu possa abrigar-me a mim e à minha família, sem que essa casa tenha de ser ampla e luxuosa em seu exterior e no interior?

Por que não me contento em ter um bom emprego através do qual eu obtenha o honesto sustento? Por que, além do emprego, eu tenho (não raro, a qualquer custo) de ocupar posição de destaque, ser líder, ser chefe, ser presidente, ser dono?

Por que, vivendo num país de dimensões extraordinárias e com paragens e paisagens deslumbrantes, tenho de “obrigatoriamente”(sic) realizar viagens de caráter exclusivamente diletante, por exemplo, à Europa e a outros longínquos Continentes e/ou países?

Por que essa incontida necessidade de voar por sobre oceanos com o objetivo unívoco (embora maquiado) de estar na Europa, de ser conhecedor da Europa ou de outro Continente, de ser “íntimo”(sic) de aeroportos além-mar, de pisar no asfalto da Suécia, de lançar olhos à Estátua da Liberdade, de comer em restaurantes onde o cardápio e os garçons se expressam em outra língua?

A verdadeira razão não residiria no irresistível prazer de, quando do regresso, poder narrar em detalhes e com indisfarçável orgulho ao meu círculo de convivência que ganhei o valioso status de “viajante internacional”, que sou importante, que ao meu currículo acrescentei essa impreterível variante da vida?

Por que, possuindo um dentre tantos meios de transporte, imponho-me o desejo insufocável de adquirir um automóvel? Por que meu automóvel tem de ser cada vez mais novo, mais valioso, preferencialmente “importado” e freqüentemente blindado?

Por que observo com olhar estranho a elegante indumentária do meu próximo, ato contínuo inserindo no íntimo a pretensão de comprar algo equiparável ou ainda, e  primazialmente, de maior valor?

Por que, no âmago organizacional das instituições religiosas cristãs, eu procuro ocupar sempre o cargo ou a função que me proporcione maior proeminência pessoal aos olhos da comunidade?

Por que aquele anel enorme inserido no dedo, como que a proclamar minhas assim chamadas credenciais de “doutor”(sic) ou meus apregoados dotes acadêmicos?

Por que procuro sempre o melhor lugar de assento, as maiores honrarias, ser o centro de atenções, ter ascendência sobre olhos e ouvidos de pessoas e estar sempre em (máxima) evidência?

Por que essas e inumeráveis outras coisas que, ao invés de aformosear, tornam a vida tão impregnada de futilidades e bagatelas?

As exemplificações, acrescentou o meu amigo e interlocutor, são quase inesgotáveis.

E, pondo fim ao nosso pouco delongado diálogo, arrematou, em típico autoquestionamento: Por que jamais me proponho apenas servir ao próximo, externar a ele o amor bíblico, preocupar-me com seu bem-estar físico e anímico? Por que minha oração, que ouso dirigir ao Deus Eterno, não revela prioridade absoluta para meu credenciamento espiritual por obra e misericórdia do Senhor Jesus?

Meditamos, ambos, naquele momento, se não estaríamos nós, seres humanos, numa espécie de aprisionamento decorrente das várias, sombrias e funéreas facetas da vaidade, as quais, não obstante passíveis de racionalizada e analítica percepção, são raras vezes percebidas?

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