segunda-feira, 10 de agosto de 2015

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: AS ABERRAÇÕES DA LEI 9.099/95

Como sói acontecer rotineiramente neste Brasil, os legisladores, membros do Congresso Nacional, deixam a nítida e desagradabilíssima impressão de que as leis são planejadas exatamente para carregarem em si obscuridade, redação imprecisa, conflito com normas símiles e, pior, conflito com cláusulas constitucionais.

É o que sucede, por exemplo, com a Lei Federal 9.099/95, por meio da qual foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis dos Estados.

Tudo indica que, segundo os regramentos nela contidos, em termos de pragmática processual, o legislador partiu de um quimérico pressuposto consistente em que o Magistrado jamais se equivoca, o Magistrado jamais comete injustiças, o Magistrado jamais protagoniza erro in judicando; o Magistrado, pois, seria simplesmente INFALÍVEL.

Óbvio que se trata de um delírio parlamentar. Óbvio que erros e injustiças são encontradiços em todas as instâncias, em incontáveis decisões de primeiro grau, em inumeráveis decisões de segunda instância, em múltiplas decisões nas instâncias Extraordinária e Especial.

Com outras palavras, TODO JUIZ ERRA, TODO MAGISTRADO SE EQUIVOCA, TODO MAGISTRADO É INVARIAVELMENTE FALÍVEL.

Todavia, no contexto dos Juizados Especiais Cíveis dos Estados, por inacreditável que parecer possa, a Lei Federal 9.099/95 “proclamou”(sic) a infalibilidade judicatória, na medida em que, se o Postulante ou Autor da demanda se depara com sentença denegatória de seu pedido, e mesmo diante de notório extravio judicatório, vê-se compelido ou obrigado a interpor o tal Recurso Inominado simplesmente porque, ainda que se trate de decisão aberrante ou decisão teratológica (infelizmente, tão comuns), eventuais Embargos Declaratórios dela interpostos são invariavelmente rechaçados sem o menor constrangimento, tendo como empecilho intransponível a maculação da vaidade do Togado, em acalentamento da qual ele se recusa a admitir o próprio erro ou o perceptível e insanável desacerto na prestação jurisdicional.

Daí surgem situações não apenas grotescas ou ridículas, mas também inegavelmente eivadas de inconstitucionalidade, eis que  o Autor, em tendo sido vítima de sentença juridicamente monstruosa ou teratológica, e em suportando o constrangimento de ver seus Embargos Declaratórios repelidos por um despacho estereotipado e completamente sem sentido, uma vez interpondo compulsoriamente o Recurso Inominado, ver-se-á compelido a tolerar o pagamento de custas recursais, além da possibilidade concreta de ver seu Recurso mal recepcionado ou mal julgado e, consectariamente, sendo submetido a novo e oneroso constrangimento consistente na condenação em honorários advocatícios sucumbenciais[1].

Mas as variantes não param por aí. Ainda que, ou mesmo se o fantasmagórico Recurso Inominado obtenha boa receptividade por parte da assim chamada Segunda Instância dos Juizados Especiais Cíveis, ou seja, pela Turma Recursal respectiva, o Autor, portanto, sendo declarado VENCEDOR da demanda, não será ressarcido das custas[2] que INDEVIDAMENTE pagou, não será ressarcido de qualquer outra despesa decorrente do manejo do Recurso Inominado, não será ressarcido das despesas pela contratação de Advogado[3], não será ressarcido do tempo desperdiçado, não será ressarcido pelo erro ou pela aberração jurisdicional praticada pelo Magistrado de primeira instância cuja sentença fora reformada ou mesmo cassada.

Traduzindo, essa sistemática ou pragmática esdrúxula contida na Lei Federal 9.099/95 representa um imenso ou gigantesco disparate jurídico, eis que configura manifesto tratamento desigual para pessoas que aos olhos da lei não diferem umas das outras; representa burla retumbante ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição; representa deprimente chalaça ao princípio constitucional atinente ao devido processo legal em sua essência.

Não se pode compreender a razão de tais absurdezas jurídico-processuais não apenas terem vindo à existência, mas, para maior perplexidade, por permanecerem no mundo jurídico, como se intocáveis, como se fruto d’alguma genialidade legislativa.

Na pior das hipóteses, essa estropiada ou flagrantemente desajeitada Lei Federal 9.099/95 haveria de ser URGENTEMENTE E JÁ TARDIAMENTE alterada no sentido de estabelecer a condenação sucumbencial TAMBÉM para a parte recorrida, quando, evidentemente, o Recurso Inominado por qualquer delas interposto vier a ser provido.

Do contrário, continuaremos, nós os jurisdicionados, sendo vítimas de uma lei capenga, ilógica, viciada e escandalosamente arrítmica em relação à Constituição Federal, eternizando-se um FALSO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, perpetuando-se TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO DIRECIONADO A PESSOAS EM POSIÇÃO DE PLENA IGUALDADE, enodoando-se o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, perpetuando-se, estimulando-se e homenageando-se Magistrados despreparados e descomprometidos com a nobreza do cargo no qual estão investidos.



[1]Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.” (Lei 9.099/95)
[2]Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.” (Lei 9.099/95)
[3]§ 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado.” (Lei 9.099/95, art. 41)
Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.” (Lei 9.099/95)

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