quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O LIVRO DE JÓ SEGUNDO O CALVINISMO

Tendo-se em mente que, ao ritmo das teses defendidas pelo francês João Calvino, o homem, imagem e semelhança de Deus, não dispõe de qualquer infinitésima aptidão volitiva, sendo inteiramente incapaz de, por livre iniciativa, voltar-se para o Criador, limitando-se a trilhar caminhos existenciais precisamente como pré-formatados antes da fundação do mundo, inevitavelmente a Bíblia haveria de passar por completa "revisão" ao estilo calvinista e, quiçá, ter-se-iam de eliminar várias passagens da Palavra de Deus, como, por exemplo, aquela que narra o inadjetivável diálogo entre o Todo-Poderoso e Satanás, lavrado no Livro de Jó, capítulos 1:8-12 e 2:3-6.

E disse o SENHOR a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal.
9  Então respondeu Satanás ao SENHOR, e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde?
10  Porventura tu não cercaste de sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste e o seu gado se tem aumentado na terra.
11  Mas estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face.
12  E disse o SENHOR a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão.


E disse o SENHOR a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal, e que ainda retém a sua sinceridade, havendo-me tu incitado contra ele, para o consumir sem causa.
Então Satanás respondeu ao SENHOR, e disse: Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida.
5  Porém estende a tua mão, e toca-lhe nos ossos, e na carne, e verás se não blasfema contra ti na tua face!
E disse o SENHOR a Satanás: Eis que ele está na tua mão; porém guarda a sua vida.


De que predestinacionista e irresistível maneira se poderia compreender que Deus, sabedor de que a criatura não possui e até mesmo desconhece o que venha a ser livre-arbítrio, poderia a ela referir-se elogiosamente, exaltando-lhe qualidades e atributos como se dela própria emergentes?

Por que, acerca de Jó, diria Deus a Satanás: 'Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal, e que ainda retém a sua sinceridade, havendo-me tu incitado contra ele, para o consumir sem causa'?

Quais eram ou teriam sido, conforme a cátedra de João Calvino, os méritos de um predestinado Jó, encapsulado ou envolto pela ação de uma irresistível graça?

Estaria Deus, numa espécie de esvaziamento de Si mesmo, exaltando qualidades ímpares e surpreendentes do homem da terra de Uz, sem nenhum similar no planeta?

Satanás, ao seu turno, por não dispor da erudição teológica calvinista, isto é, ignorando que a criatura nada constrói ou destrói se assim não estiver escrito no decreto eterno predestinatório, contra-argumentaria que a reta postura de Jó derivaria do fato de que Deus o premiara com muitos bens, família, prestígio, saúde, e, daí, desafiaria Deus a suprimir-lhe o bem-estar físico?

E Deus, então, sabedor da obtusidade e insipiência de Satanás, o qual se mostrava totalmente desinformado com relação à soberania do Criador na disposição, no arranjo, na preordenação de tudo o que tem sucedido e há de suceder no mundo físico, com propósito insondável (mas que sondado fora nos ensaios doutrinários calvinistas), conduz adiante aquele diálogo em cujo desdobramento as referências de louvor direcionadas ao homem Jó, em realidade, constituiriam referências a Si próprio?

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