“Ora, o fato de o castigo sobre Acabe ter sido mitigado, que utilidade
daí conseguiu ele, senão que, enquanto viveu sobre a terra, não o sentisse? Portanto, a maldição de Deus, ainda que recôndita, teve sede
fixa em sua casa, mas ele próprio enfrentou a perdição eterna. O mesmo é o
caso de Esaú, pois, ainda que sofresse repulsa,
todavia lhe foi concedida uma bênção temporal em resposta às suas lágrimas [Gn
27.38-40]. Mas, visto que a herança espiritual, segundo o vaticínio de Deus, só
podia residir em um dos irmãos, ao ser rejeitado Esaú e eleito Jacó, tal repulsa fechou a
porta à misericórdia divina. Contudo, como a um homem brutal, restou esta
consolação: que se fartasse da gordura da terra e do orvalho do céu [Gn 27.28].
Temos também proposta uma espécie de representação paradigmática deste
fato. Irmãos são Esaú e Jacó, gerados dos mesmos pais, encerrados ainda no
mesmo ventre, ainda não trazidos à luz. Neles tudo é igual, no entanto diverso é o juízo de Deus a seu respeito. A
um escolhe, ao outro rejeita.
Isso também deve ter-se na lembrança:
que o penhor de um domicílio celestial foi confrontado com a terra de Canaã, de
sorte que não se deva, de modo algum, duvidar que Jacó foi com os anjos
enxertado no corpo de Cristo, para que fosse participante da mesma vida. Logo, Jacó é
eleito e Esaú é repudiado; e são diferenciados pela predestinação divina
aqueles entre os quais não existia diferença alguma quanto aos méritos.” (Institutas, vol. III, págs. 96, 399, 400)
A leitura bíblica atenta e submissa não parece conduzir o
cristão a essa mesma conclusão do francês João. Esaú
teria sido predestinado e condenado ao inferno com base unicamente nos
registros segundo os quais Deus dissera: “Amei a Jacó e odiei a Esaú” e “O
maior servirá o menor” (Ml 1:2,3 e Rm 9:13)?! A propósito, a versão bíblica chamada corrigida usa o verbo “ABORRECER”
em vez de “ODIAR”.
O ensino da Palavra de Deus a respeito de Esaú e Jacó enfatiza
a profecia divina pela qual Jacó, embora não sendo primogênito, teria
ascendência sobre Esaú, o primogênito. Isso fica patente quando Isaque, no
leito de morte, enganado por Jacó (mediante astúcia de sua mãe), abençoou-o
como se fosse a Esaú, e este, choroso, implorou de seu pai também uma bênção
para si. E esta bênção lhe foi dada por Isaque,
conforme inconfundivelmente explanado na Bíblia (Gn 27:27-40).
O que claramente se colhe da leitura dessa passagem é que Isaque em
nenhum momento dissera que seu filho Esaú seria ou passaria a ser maldito ou
execrável ou réprobo ou anátema.
Ao contrário, Isaque limitou-se a cientificar Esaú de que a predição
celestial que dizia respeito à inexorabilidade de O MAIOR SERVIR AO MENOR se
cumprira ou estaria em curso de infalível
cumprimento, e, pois, que Jacó FORA POSTO POR SENHOR SOBRE ESAÚ E SOBRE
TODOS OS DEMAIS IRMÃOS.
E, ao final do pronunciamento da implorada bênção, prometera
Isaque a Esaú que a preeminência de Jacó sobre ele não seria definitiva, mas que
quando Esaú se assenhoreasse, estaria apto a sacudir de seu pescoço esse jugo
(Gn 27:40).
Vejamos
o texto da Palavra Eterna:
“Então disse ele: Não é o seu nome justamente Jacó,
tanto que já duas vezes me enganou? A minha primogenitura me tomou, e eis que
agora me tomou a minha bênção. E perguntou: Não reservaste, pois, para mim
nenhuma bênção?
Então respondeu Isaque a Esaú dizendo: Eis que o tenho
posto por senhor sobre ti, e todos os seus irmãos lhe tenho dado por servos; e
de trigo e de mosto o tenho fortalecido; que te farei, pois, agora, meu filho?
E disse Esaú a seu pai: Tens uma só bênção, meu pai?
Abençoa-me também a mim, meu pai. E levantou Esaú a sua voz, e chorou.
Então respondeu Isaque, seu pai, e disse-lhe: Eis que a tua habitação será nas gorduras da
terra e no orvalho dos altos céus.
E pela tua espada viverás, e ao teu irmão servirás. Acontecerá, porém, que quando te assenhoreares, então
sacudirás o seu jugo do teu pescoço.”
Fosse compatível com a Palavra de Deus o que João Calvino se
propõe a preconizar, seríamos compelidos ao entendimento de que se Deus
predestina tudo e todos antes da fundação do mundo, desde a eternidade, fica
óbvio que O CRIADOR NÃO ESCOLHE OU ELEGE NEM REJEITA OU CONDENA NINGUÉM!!
Na linguagem calvinística, seria
mais coerente dizer que Deus CONSTRÓI À SUA IMAGEM E SEMELHANÇA pessoas que ao
final da jornada existencial MATEMATICAMENTE estarão à direita do Cordeiro e CONSTRÓI
À SUA IMAGEM E SEMELHANÇA outras pessoas que ao final da jornada existencial
MATEMATICAMENTE estarão à esquerda do Cordeiro.
De modo nenhum, por conseguinte, extrair-se-ia daqui o sentido
de escolher tampouco de rejeitar, à mais ruidosa e ingente evidência!!!
Dessume-se, de tudo isso, que João Calvino e adeptos negam a Bíblia ou "desautorizam" a
Bíblia, ao atribuir a Deus o ato de ELEGER imerecidamente a JACÓ e CONDENAR
imerecidamente a ESAÚ, um homem absolutamente
imaculado, sem pecado, sem vínculo com a maldade, sem conhecimento do bem e do
mal, sem qualquer relação mística ou genética com Adão.
Haverão os calvinistas, por conseguinte, de conviver
SINCERAMENTE com a possibilidade de MALDIÇÃO SEM CAUSA, de CONDENAÇÃO DE
INOCENTES, na medida em que, para esse segmento religioso, ESAÚ fora
"REJEITADO" GRATUITAMENTE NA ETERNIDADE, ou seja, não tendo feito bem nem mal.
Ao predestinadamente suposto réprobo e maldito ESAÚ, então, diante da proposta doutrinária promanante
de Calvino, não se podem definitivamente aplicar as emblemáticas passagens Bíblicas segundo as quais "TODOS PECARAM" e "O SALÁRIO DO PECADO É A MORTE"?
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