Seria de hígido tom, ou ético, ou
elegante, ou de bom testemunho, que alguém se proponha a escrever um livro de
conteúdo cristão, no intuito declarado de discorrer acerca da Palavra de Deus,
emitindo, com ares impositivos e catedráticos, opiniões doutrinárias
pretensamente insusceptíveis de discordância ou mesmo de debate, e, nessa
estranha trilha, lançar repetidas ofensas verbais e abertos xingamentos
relativamente a outras pessoas que eventualmente detenham pensamento
doutrinário apontando para outra rota?
Lamentavelmente, é o que protagonizou João Calvino no texto
e no contexto do livro que contém seu nome como Autor, chamado "Institutas’,
salpicado de incríveis invectivas e referências tristemente pejorativas e
chulas.
E, curiosamente, apenas um homem, entre inúmeros no mundo,
fora não apenas poupado por Calvino, mas abertamente por ele aplaudido e
reverenciado como “santo homem”, e esse era, num
indizível paradoxo, ninguém mais, ninguém menos que o padre conhecido pelo nome
de Agostinho de Hipona, clérigo do catolicismo romano, organização essa
reputada veementemente pelo mesmo João Calvino como ‘ASQUEROSA MERETRIZ’.
Bem a propósito, acerca da organização ou da estrutura
eclesiástica romanista Calvino de modo iracundo assim verbera (vol. IV, págs. 101
e 102):
“E se alguém olha e examina devidamente toda esta estrutura
de governo eclesiástico que existe hoje sob o papismo, verá
que não há no mundo bandidos mais desavergonhados. Tudo
é tão contrário à instituição de Cristo, e tão oposto a ela, tão diferente do
costume antigo e tão contra a natureza e a razão, que não se poderia fazer
maior injúria a Cristo do que servir-se de seu nome para dourar um regime tão
confuso e desordenado”. E mais adiante, o francês expõe contundentemente: “Nenhuma
classe de homens hoje é de pior reputação no luxo, na efeminação, nos prazeres,
por fim em todo gênero de dissoluções. De
nenhuma classe de mestres há mais refinados ou mais hábeis de toda impostura,
fraude, traição, perfídia; em parte alguma há tanto de solércia
ou de ousadia para fazer o mal. Deixo
de mencionar a arrogância, a soberba, a rapacidade, a crueldade; deixo de lado
a dissoluta licenciosidade em todos os aspectos da vida; o mundo está cansado
de suportar coisas do gênero, o que não há como eu exagerar em demasia”.
Especificamente quanto aos ataques
de Calvino a todos quantos d’algum modo dissonantes de sua doutrina, eis alguns
exemplos de seu livro colhidos:
“Neguem
esses cães
que o Espírito Santo haja descido sobre os apóstolos ou, quando menos, anulem a
credibilidade da história.” (vol. I, pág. 97)
“Elas
vêm muito a propósito para que os inimigos da pura e sã doutrina sejam
desbaratados, mormente em que, com seu
serpear sinuoso e insinuante, estas
serpentes escorregadias se
escapolem, a menos que sejam acossadas com vigor e, apanhadas, sejam esmagadas.”
(vol. I, pág. 130)
“O
mesmo entende Oséias que, após recontar a luta que Jacó sustentou com o anjo,
diz: “O Senhor é o Deus dos
Exércitos; o Senhor, seu nome é um
memorial perpétuo [Os 12.5]. Serveto
rosna novamente,
dizendo que Deus havia tomado a
pessoa de um anjo.” (vol. I, pág. 138)
“Deste charco saiu outro monstro não
diferente. Pois certos biltres, para evadir-se à odiosidade e ignomínia da
impiedade de Serveto,
confessaram que, na realidade, há três pessoas, desde que se faça, porém, a
restrição de que o Pai, que é o único verdadeiro e propriamente Deus, ao formar
o Filho e o Espírito, neles comunicou sua deidade.” (vol. I, pág. 152)
“Quão
cuidadosamente esquadrinhou Agostinho os escritos de todos estes, em relação aos quais estes
biltres
são extremamente contrários, e quão reverentemente aquele os abraçou, não há necessidade de dizer absolutamente
nada.” (vol. I, pág. 161)
Daqui
procede que, com suas virulentas mordidas, ou, pelo menos, com seu ladrido, tão numerosa matilha de
cães hoje invista contra esta doutrina,
já que não
querem que se faculte a Deus mais do que lhes faculta a própria razão a eles próprios. (vol. I, págs. 212 e 213)
Portanto,
fora com essa petulância canina, a qual na realidade pode ladrar, à
distância, contra a justiça de Deus, não, porém, tocá-la! (vol. I, pág. 217)
Os
testemunhos que, depois disto, daqui e
dali respigam da Escritura não
haverão de causar muita dificuldade até mesmo aos entendimentos menos
aquinhoados,
que simplesmente tenham devidamente se embebido das refutações precedentes.
(vol. II, pág. 100)
Impõe-se-nos, entretanto, precaver-nos da diabólica imaginação de Serveto, que, enquanto pretende exaltar a grandeza da graça de
Cristo, ou, pelo menos, finge querer, abole totalmente as promessas, como se
chegassem ao fim juntamente com a lei. Enquanto isso, nos ordena o Espírito
Santo a reclinarmos sobre as promessas, a cuja autoridade entre nós deve conter
todos os ladridos desse cão imundo. (vol. II, pág. 183)
E,
além do mais, o que já por si só era mui útil se converte numa necessidade pela importunação desse
monstro chamado Serveto, e de
alguns anabatistas exaltados, que não fazem caso algum do povo de Israel, não
mais que se dá a uma vara de porcos, e
pensam que nosso Senhor outra coisa não quis senão cevá-los na terra sem
esperança alguma da imortalidade. (vol. II, pág. 186)
Mas,
na verdade, demasiado prolixo seria referir quão vergonhosamente o próprio Serveto reflete consigo, a cada passo. Deste sumário, concluirão os
leitores assisados que, com os engenhosos rodeios de um cão
impuro, foi de todo extinguida a esperança de salvação. (vol. II,
pág. 247)
Na
verdade, nem mesmo dou atenção
aos ladridos de Pighi, nem de cães da mesma laia, quando investem contra esta restrição
da fé à promessa da graça, como se, fragmentando a fé, apanhe só uma porção
dela. (vol. III, pág. 54)
É
uma impiedade intolerável querer destruir a confiança de nossa salvação sob o
pretexto da dupla justiça, a
qual esse demente quis forjar e querer-nos fazer caminhar pelas nuvens para separar-nos da
tranqüilidade de nossa consciência, que se apoia na morte de Jesus Cristo,
impedindo-nos de invocar a Deus com ânimo tranqüilo e confiante. (vol. III,
pág. 207)
Aqui, que esses asnos ergam
as orelhas. Se a confissão auricular era uma lei de Deus, como teria
Nectário ousado suprimi-la e desarraigá-la? Acusarão a Nectário de heresia e de
cisma, santo homem de Deus, aprovado por todos os sufrágios dos antigos? (vol.
III, pág. 105)
Pelo mesmo procedimento, esses
malditos embusteiros
dividem em duas partes o pacto divino, no qual se contém
nossa salvação; (vol. III, pág. 374)
No
entanto, uma vez que estes
cães virulentos não vomitam contra Deus uma única espécie de blasfêmia, as responderemos uma a uma, conforme a
matéria o requeira. (vol. III, pág. 411)
Aliás, tampouco nos envergonhemos, a
exemplo de Paulo, de assim fechar a boca dos ímprobos; e sempre
que ousarem ladrar,
que se repita: “Ora, quem sois vós, míseros homens, que
formulais acusação contra Deus (vol. III, pág. 414)
E obviamente não estão mentindo
totalmente, pois que há
muitos suínos que conspurcam a doutrina da predestinação com essas impuras
blasfêmias,
e, até com este pretexto, evadem a todas e quaisquer
advertências e censuras... (vol. III, pág. 420)
Mas esse repelente
grunhido de suínos
é por Paulo corretamente contido. Dizem prosseguir seguros
em seus desregramentos porque,
se forem do número dos eleitos, os desregramentos nada haveriam de impedir a
que, finalmente, sejam conduzidos à vida. (vol. III, pág. 421)