Ouvi, certa vez, alguém dizer de seu desconforto e até
embaraço diante de decisões e posturas que se adotam no curso da vida.
Discorria ele sobre as coisas que necessariamente e
inevitavelmente sucedem na vida de qualquer vivente, e que constituem o rotineiro
dia-a-dia, lado a lado com aquel’outras que despidas de imperiosidade e,
portanto, perfeitamente evitáveis, adiáveis ou lançáveis ao perpétuo
esquecimento.
O referenciado embaraço vinculava-se (e vincula-se) essencialmente
à imprescindibilidade de exercício salutar da racionalidade e do discernimento,
máxime tratando-se de cristão na acepção pura (não distorcida) do vocábulo.
Tudo começou (prosseguiu ele) com a leitura atenta e
submissa da Palavra de Deus, segundo a qual a simplicidade representa uma das
virtudes viscerais do ser humano, aliadamente à mansidão, à longanimidade, à
humildade, ao refreamento da língua; tudo isso, entre outras nuanças
existenciais, sofrendo constantes ameaças derivadas da inquietante questão da
vaidade por consectário da qual podem sobrevir percalços e até mesmo tragédias
pessoais, familiares e comunitárias.
Mantive atentos os ouvidos e achei interessantes as exemplificações
práticas apresentadas pelo meu interlocutor, ele que se propôs a si mesmo uma
série de questionamentos acerca das razões que levam o ser humano a empreender pensamentos,
esforços, sinergia e, recorrentemente, à entrega total em busca de alvos
específicos que jamais se exaurem, eis que parece haver uma insaciável sede de
realizações (se assim se puder chamar) pessoais, avidez essa incrustada e
acalentada no íntimo de cada qual.
Dizia audivelmente e introspectivamente: Por que não me
basta possuir uma casa onde eu possa abrigar-me a mim e à minha família, sem que
essa casa tenha de ser ampla e luxuosa em seu exterior e no interior?
Por que não me contento em ter um bom emprego através do
qual eu obtenha o honesto sustento? Por que, além do emprego, eu tenho (não
raro, a qualquer custo) de ocupar posição de destaque, ser líder, ser chefe,
ser presidente, ser dono?
Por que, vivendo num país de dimensões extraordinárias e
com paragens e paisagens deslumbrantes, tenho de “obrigatoriamente”(sic) realizar
viagens de caráter exclusivamente diletante, por exemplo, à Europa e a outros
longínquos Continentes e/ou países?
Por que essa incontida necessidade de voar por sobre
oceanos com o objetivo unívoco (embora maquiado) de estar na Europa, de ser
conhecedor da Europa ou de outro Continente, de ser “íntimo”(sic) de aeroportos além-mar, de pisar no asfalto da
Suécia, de lançar olhos à Estátua da Liberdade, de comer em restaurantes onde o
cardápio e os garçons se expressam em outra língua?
A verdadeira razão não residiria no irresistível prazer
de, quando do regresso, poder narrar em detalhes e com indisfarçável orgulho ao
meu círculo de convivência que ganhei o valioso status de “viajante internacional”, que sou importante, que ao meu currículo acrescentei
essa impreterível variante da vida?
Por que, possuindo um dentre tantos meios de transporte,
imponho-me o desejo insufocável de adquirir um automóvel? Por que meu automóvel
tem de ser cada vez mais novo, mais valioso, preferencialmente “importado” e freqüentemente blindado?
Por que observo com olhar estranho a elegante
indumentária do meu próximo, ato contínuo inserindo no íntimo a pretensão de
comprar algo equiparável ou ainda, e primazialmente,
de maior valor?
Por que, no âmago organizacional das instituições
religiosas cristãs, eu procuro ocupar sempre o cargo ou a função que me
proporcione maior proeminência pessoal aos olhos da comunidade?
Por que aquele anel enorme inserido no dedo, como que a
proclamar minhas assim chamadas credenciais de “doutor”(sic) ou meus apregoados dotes acadêmicos?
Por que procuro sempre o melhor lugar de assento, as
maiores honrarias, ser o centro de atenções, ter ascendência sobre olhos e
ouvidos de pessoas e estar sempre em (máxima) evidência?
Por que essas e inumeráveis outras coisas que, ao invés
de aformosear, tornam a vida tão impregnada de futilidades e bagatelas?
As exemplificações, acrescentou o meu amigo e
interlocutor, são quase inesgotáveis.
E, pondo fim ao nosso pouco delongado diálogo, arrematou,
em típico autoquestionamento: Por que jamais me proponho apenas servir ao
próximo, externar a ele o amor bíblico, preocupar-me com seu bem-estar físico e
anímico? Por que minha oração, que ouso dirigir ao Deus Eterno, não revela
prioridade absoluta para meu credenciamento espiritual por obra e misericórdia
do Senhor Jesus?
Meditamos, ambos, naquele
momento, se não estaríamos nós, seres humanos, numa espécie de aprisionamento decorrente
das várias, sombrias e funéreas facetas da vaidade, as quais, não obstante passíveis
de racionalizada e analítica percepção, são raras vezes percebidas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário