quarta-feira, 22 de maio de 2013

DISCRIMINAÇÃO MANIFESTADA, MAS NÃO NOTADA

Intrigante e esdrúxulo como pessoas (determinadas e escolhidas pessoas) são rotuladas neste país, nas ruas, em aglomerações, shoppings, órgãos públicos, escolas, televisão, jornais, igrejas, sarjetas.

Há estereótipos desde agressão escancarada, até chalaças, passando por expressões supostamente apropriadas ou aparentemente respeitosas, dirigidas ao trabalhador comum, ao homem do povo, aos homens e mulheres que enfrentam corajosamente o dia-a-dia deste país, ao mendigo, ao adepto de drogas, aos delinqüentes que não se vestem com requinte.

Para se fazer referência a alguém tomam-se aspectos físicos como “inspiradores”(sic) das mais diversas bobagens verbais. Daí, o surgimento de pérolas como: “o gordinho”; "o moreno" (em alusão ao negro); “o careca”; “o manquitola”; o “negro de alma branca” (ridícula ofensa impregnada de preconceito); “o velhote”; “o esquisitão”; ou mesmo aquele conhecido hipocorístico feminino: “o vôzinho ali”; e por aí vai...

Claro que todo esse arsenal de invectivas cessa quando se está diante de pessoa bem trajada, paletó e gravata, reluzente “anelaço” de grau no dedo. E se estiver portando maleta perceptivelmente de boa qualidade, a reverência cresce e chega ao extremo caso a pessoa, com toda essa visibilidade, desça de um carro de último tipo e exiba um andar bem “empinado”, ombros esticados, gestos estudados, tom de voz autoritário, ainda que o perfil físico seja do tipo saruê, careca, barrigudo e manquitola.

E caso se trate de pessoa cuja família detenha destaque na sociedade, mesmo sendo viciado inveterado em drogas pesadas, espancador de esposa e de filhos, bolinador de crianças, e praticante de outros delitos, não perderá seu grande “status”, porquanto, na pior das hipóteses, a ele se referirão como “dependente químico”, “dependente genital”, “dependente patrimonial”, “clopemaníaco” etc.

Mas o objeto principal deste texto diz com o tratamento “dispensado”(sic) às pessoas que contam com idade a partir de sessenta anos; bem como àquelas que se aposentaram após décadas de trabalho honrado e honesto.

De modo inteiramente injustificável, por falta de educação, por menosprezo, por discriminação consciente ou decorrente de ignorância explícita, fato é que pessoas neste Brasil, ao atingirem a simples e corriqueira idade de sessenta anos, passam a ser tratadas como “idosos”, ganham a pecha de “idosos”, são apelidadas, identificadas, separadas, ridicularizadas, desrespeitadas, agredidas, maltratadas em hospitais como “idosos”; são punidas por Planos de Saúde como “idosos”, pressionadas pelos filhos a repartir-lhes a herança, abandonadas pelos filhos como “idosos” (mormente se portadoras de enfermidade).

E o que também chama fortemente a atenção são as matérias dos meios de comunicação (a tal mídia), onde pessoas a partir de sessenta anos perdem a identidade, o nome, a autodeterminação, a privacidade, a cidadania, na medida em que todas as referências principiam com: “o idoso fulano de tal”, “idoso de sessenta anos foi assaltado”, “idoso de sessenta anos foi morto”, “idoso de sessenta anos passeia de mãos dadas com a esposa” (esta, entrecortada por um insuportável chiste do tipo “que gracinha!”), “idoso imobiliza e prende ladrão”, “idoso vence maratona”, “idoso não consegue atendimento em hospital”, “idoso morre ao ser atacado por ladrão”, “idoso é esfaqueado pelo filho dependente químico”, “idoso é decapitado pelo vizinho”...

E mais: São rotineiras reportagens nas quais pessoas (desde que algo grisalhas e aparentando sessenta anos ou mais), além de grosseiramente apelidadas de “idosas”, sofrem invasão da intimidade/vida privada pelo acréscimo de mais uma adjetivação: “idoso aposentado Fulano de Tal reclama do atraso em voo”. Quer dizer, o cidadão, além de relegado a uma espécie de “segunda classe existencial”, ainda se vê humilhado com a pejorativa referência à sua aposentadoria!

Isso é algo horroroso e gritantemente inaceitável. Fazer referência a alguém como “aposentado Fulano de Tal” configura uma esquisitice e uma indelicadeza que jamais poderiam passar despercebidas, como é a tônica em um país de um povo heroico, cujo brado já se vez ouvir às margens plácidas do Ipiranga.

Mas eis que surge a outra face da história. Suponho, ou melhor, retenho convicção absoluta, que seria inconcebível em veiculações midiáticas disparates do tipo “o idoso Presidente da República” (mesmo contando Sua Excelência com mais de sessenta anos); ou “o idoso aposentado ex-Presidente da República” (todos eles já ultrapassaram a marca de sessenta anos); “o idoso Ministro”; “o idoso Senador da República”; “o idoso Pastor Protestante”; “o idoso escritor com assento na Academia Brasileira de Letras”; “o idoso ator ou a idosa atriz”; “o idoso apresentador de telejornal”; “o idoso narrador esportivo”; “o idoso articulista de revista ou periódico”.

O próprio Estatuto do Idoso (Lei Federal 10741/03), pelo modo como redigido, ao invés de traduzir honraria a pessoas maiores de sessenta anos (que, nesse específico estágio de vida, decididamente não são idosas) representa convite à discriminação, tanto a esses como àqueles que concretamente estejam avançados em idade, podendo eventualmente ser chamados de idosos, não como permanente e depreciativo rótulo, mas em situações típicas (não padronizadas) que reclamem com naturalidade e elegância essa adjetivação.

Todo ser humano, de qualquer origem, tenro ou verazmente idoso/provecto, seja enfermo, aleijado, cego, mentalmente debilitado, mal trajado ou vestido com apuro, capaz ou incapaz, cidadão comum ou autoridade, deve ser alvo de absoluto respeito, sem que isso represente favor ou atitude que mereça louvor.

A idade ou  a eventual aposentadoria definitivamente não podem servir de rotulação de qualquer pessoal, mormente no sentido obviamente depreciativo em que tal excrescência se dá no contexto de incontáveis situações e lugares do dia-a-dia.

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