Para
Calvino, nada há neste mundo, quer no presente ou no futuro, que não seja
previamente e inteiramente e cabalmente resultante da providência divina. Tudo
o que sentimos, tudo o que fazemos, tudo o que desejamos, tudo o que omitimos, todas as nossas eventuais e escassas virtudes, toda as nossas mentiras, toda a nossa cobiça, tudo o que deveríamos fazer e
negligentemente não fizemos, tudo o que falamos; enfim, toda a trajetória de
nossa existência terrena encontra-se traçada no mapa invisível e imutável da
providência ou predeterminação ou decreto eterno de Deus.
Portanto,
quando lemos na Bíblia as preciosas promessas de Deus em relação àqueles que
verdadeiramente o temem e o buscam, isto é, no sentido de que haveriam de ser
alvos de bênçãos; que seriam como árvore plantada junto a ribeiros de águas;
que prosperariam em tudo quanto fizessem; que os anjos acampariam ao seu redor
e os livrariam; que mil cairão ao lado dos que temem a Deus, e dez mil à
direita, mas não seriam atingidos; entre incontáveis outras passagens bíblicas,
tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, que trazem alento para a alma do
cristão, em realidade tudo isso não passa de um seqüencial de vida
completamente ilusório.
E Calvino, placidamente, expõe sua pronta e acabada
explicação, assim se expressando:
“Pois,
donde acontece que o homem providente, enquanto cuida bem de si, se desvencilha
até de males iminentes, o insipiente pereça levado por temeridade, senão que
tanto a insipiência quanto a prudência são instrumentos da divina administração
para um e outro desses dois aspectos?
Essa
é a causa por que Deus quis que não conhecêssemos o futuro, para que, sendo ele
incerto, nos preveníssemos e não deixássemos de usar os remédios que ele nos dá
contra os perigos, até que, ou os vençamos, ou sejamos deles vencidos.”
“...A suma vem a ser isto: que, feridos
injustamente pelos homens, posta de parte sua iniqüidade, que nada faria senão
exasperar-nos a dor e acicatar-nos o ânimo à vingança, nos lembremos de
elevar-nos a Deus e aprendamos a ter por certo que foi, por sua justa
administração, não só permitido, mas até inculcado, tudo quanto o inimigo
impiamente intentou contra nós.”
“...Logo, como qualquer mudança entre
os homens é correção do que desagrada, mas a correção provém do arrependimento,
por isso pelo termo arrependimento se entende o
que Deus muda em suas obras. Entretanto, não se reverte nele nem o
plano, nem a vontade, nem se oscila seu sentimento. Ao contrário, o que desde a eternidade previra,
aprovara, decretara, leva adiante em perpétuo teor, por mais súbita que a
variação pareça aos olhos dos homens.” (Institutas, vol. I,
formato pdf, tradução de Waldyr Carvalho Luz)
Traduzindo ou parafraseando essas palavras do escritor
francês, a nós se nos oferece dizer que vivemos como se efetivamente
vivêssemos, mas em verdade não estamos vivendo. Tudo já está ou já foi
consumado desde a eternidade, em estrita consonância com os eternos decretos ou
com a providência ou com a predestinação de Deus.
Com outras palavras, vivendo o presente como se o presente
existisse, e atinando para o futuro como se a respeito dele ou sobre ele
pudéssemos ter alguma influência na qualidade de cristãos, estamos tão-somente
cumprindo à risca, em todos os detalhes, um insondável e pré-moldado scprit existencial. E se poderia
acrescentar, numa síntese a esse pensamento doutrinário de João Calvino: VIVEMOS
EM TORNO OU NA EXPECTATIVA DE UM FUTURO COMO SE FUTURO HOUVESSE, QUANDO FUTURO
DEFINITIVAMENTE NÃO HÁ.
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