Tendo-se em mente que, ao ritmo das teses defendidas pelo francês João Calvino, o homem, imagem e semelhança de Deus, não dispõe de qualquer
infinitésima aptidão volitiva, sendo inteiramente incapaz de, por livre
iniciativa, voltar-se para o Criador, limitando-se a trilhar caminhos
existenciais precisamente como pré-formatados antes da fundação do mundo, inevitavelmente
a Bíblia haveria de passar por completa "revisão"
ao estilo calvinista e, quiçá, ter-se-iam de eliminar várias passagens da
Palavra de Deus, como, por exemplo, aquela que narra o inadjetivável diálogo
entre o Todo-Poderoso e Satanás, lavrado no Livro de Jó, capítulos 1:8-12 e
2:3-6.
8
E disse o SENHOR a Satanás: Observaste
tu a meu servo Jó?
Porque ninguém há
na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se
desvia do mal.
9
Então respondeu Satanás ao SENHOR, e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde?
10
Porventura tu não cercaste de
sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste
e o seu gado se tem aumentado na terra.
11
Mas estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não
blasfema contra ti na tua face.
12 E
disse o SENHOR a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente
contra ele não estendas a tua mão.
3
E disse o SENHOR a Satanás: Observaste
o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele,
homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal, e que ainda retém a sua sinceridade, havendo-me
tu incitado contra ele, para o consumir sem causa.
4
Então Satanás respondeu ao
SENHOR, e disse: Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua
vida.
5
Porém estende a tua mão, e
toca-lhe nos ossos, e na carne, e verás se não blasfema contra ti na tua face!
6
E disse o SENHOR a Satanás: Eis
que ele está na tua mão; porém guarda a sua vida.
Por que, acerca de Jó, diria Deus a Satanás: 'Observaste
tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a
ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal, e que ainda retém a sua sinceridade, havendo-me tu incitado contra
ele, para o consumir sem causa'?
Quais eram ou teriam sido, conforme a cátedra de João
Calvino, os méritos de um predestinado Jó, encapsulado ou envolto pela ação de
uma irresistível graça?
Estaria Deus, numa espécie de esvaziamento de Si mesmo,
exaltando qualidades ímpares e surpreendentes do homem da terra de Uz, sem
nenhum similar no planeta?
Satanás, ao seu turno, por não dispor da erudição teológica
calvinista, isto é, ignorando que a criatura nada constrói ou destrói se assim
não estiver escrito no decreto eterno predestinatório, contra-argumentaria que a
reta postura de Jó derivaria do fato de que Deus o premiara com muitos bens,
família, prestígio, saúde, e, daí, desafiaria Deus a suprimir-lhe o bem-estar
físico?
E Deus, então, sabedor da obtusidade e
insipiência de Satanás, o qual se mostrava totalmente desinformado com relação
à soberania do Criador na disposição, no arranjo, na preordenação de tudo o que
tem sucedido e há de suceder no mundo físico, com propósito insondável (mas que
sondado fora nos ensaios doutrinários calvinistas), conduz adiante aquele
diálogo em cujo desdobramento as referências de louvor direcionadas ao homem Jó,
em realidade, constituiriam referências a Si próprio?
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