Houve tempos e repetidos tempos, no
curso dos quais eu pude por vezes ler e reler aquelas passagens bíblicas
poéticas (Livro de Eclesiastes) segundo as quais, em síntese, “tudo é vaidade”.
No primeiro
versículo do capítulo 1, ouve-se com grande eco: “Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade
de vaidades! Tudo é vaidade”.
Quando
ainda cruzando as fronteiras da primeira idade (se é que isso existe), eu me
via e me flagrava um tanto ou quanto relutante em assimilar ou admitir essa ênfase
bíblica no contexto da realidade nossa de cada dia.
Dizia
silenciosamente a mim mesmo que provavelmente as palavras e expressões
inseridas em Eclesiastes representassem um certo exagero, ou força de expressão
(auxese), ou algo de símile sentido que pudesse d’alguma forma amenizar a vastidão
da abrangência contida na assertiva de que “tudo
é vaidade”.
Passado
o tempo, decorridos anos, superadas décadas, quando em vez sacudindo a poeira
da vida, tenho podido perceber com crescente e inconfundível nitidez que, irrefutavelmente,
tudo, mas tudo mesmo, que se compõe no pensamento, que se lança ao ar com
palavras, que se projeta ou se acalenta ou se sonha com ou sem avidez, que se
consegue realizar, que não raro consideramos como protótipo de grande
realização, ou mesmo quando nos deparamos com estilhaços de assim chamados
fracassos; sim, todas essas variantes ou nuanças inserem-se de corpo inteiro na
profundidade que se extrai do Livro de Eclesiastes.
“...E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas
mãos, como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito, e eis que
tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do
sol.” (versículo 11).
Ocorre-me na mente um grande número de
autênticas ou legítimas bobagens às quais invariavelmente o ser humano se apega
e se agarra no curtíssimo tempo de vida terrena que lhe é permitido.
São multíplices os desvarios, ou
mesquinharias, ou futilidades, ou coisas talvez justificadas e justificáveis
mas erroneamente priorizadas, em prol das quais apressadamente nos esmeramos:
adquirir e acumular bens materiais e viver regaladamente; ser destacados ou
reconhecidos na sociedade; ornamentar o dedo anular da mão direita com indiscreto
e reluzente anel indicativo de uma qualquer graduação e receber ridículas
mesuras, incluindo a alcunha de “doutores”;
galgar posições de comando e poder; envergar vestimentas etiquetadas e
adquiridas exorbitantemente; gozar sempre de robustez física e saúde plena; não
sucumbir ao inevitável envelhecimento, entre tantas outras facetas
existenciais.
Hoje, já
não mais me atrevo a desenfatizar ou a tentar mitigar o alcance das palavras de
Eclesiastes, pois que em nossas vidas, não obstante verdadeiramente estejamos rodeados
por todos os lados de vaidade, aflição de espírito, enfado e transitoriedade
inexorável, socorre-nos a esperança inarrebatável e única que provém da cruz de
Cristo.
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