Como sói acontecer rotineiramente
neste Brasil, os legisladores, membros do Congresso Nacional, deixam a nítida e
desagradabilíssima impressão de que as leis são planejadas exatamente para carregarem
em si obscuridade, redação imprecisa, conflito com normas símiles e, pior,
conflito com cláusulas constitucionais.
É o que sucede, por exemplo, com a Lei Federal 9.099/95,
por meio da qual foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis dos Estados.
Tudo indica que, segundo os
regramentos nela contidos, em termos de pragmática processual, o legislador partiu de um quimérico
pressuposto consistente em que o Magistrado jamais se equivoca, o Magistrado
jamais comete injustiças, o Magistrado jamais protagoniza erro in judicando; o Magistrado, pois, seria
simplesmente INFALÍVEL.
Óbvio que se trata
de um delírio parlamentar. Óbvio que erros e injustiças são
encontradiços em todas as instâncias, em incontáveis decisões de primeiro
grau, em inumeráveis decisões de segunda instância, em múltiplas decisões nas
instâncias Extraordinária e Especial.
Com outras palavras, TODO
JUIZ ERRA, TODO MAGISTRADO SE EQUIVOCA, TODO MAGISTRADO É INVARIAVELMENTE FALÍVEL.
Todavia, no contexto dos Juizados
Especiais Cíveis dos Estados, por inacreditável que parecer
possa, a Lei Federal 9.099/95 “proclamou”(sic)
a infalibilidade judicatória, na medida em que, se o Postulante ou
Autor da demanda se depara com sentença denegatória de seu pedido, e mesmo
diante de notório extravio judicatório, vê-se compelido ou obrigado a interpor
o tal Recurso Inominado simplesmente porque, ainda que se trate de decisão
aberrante ou decisão teratológica (infelizmente, tão comuns), eventuais
Embargos Declaratórios dela interpostos são invariavelmente rechaçados sem o
menor constrangimento, tendo como empecilho intransponível a maculação da
vaidade do Togado, em acalentamento da qual ele se recusa a admitir o próprio
erro ou o perceptível e insanável desacerto na prestação jurisdicional.
Daí surgem situações não apenas
grotescas ou ridículas, mas também inegavelmente eivadas de inconstitucionalidade,
eis que o Autor, em tendo sido vítima de
sentença juridicamente monstruosa ou teratológica, e em suportando o
constrangimento de ver seus Embargos Declaratórios repelidos por um despacho
estereotipado e completamente sem sentido, uma vez interpondo compulsoriamente
o Recurso Inominado, ver-se-á compelido a tolerar o pagamento de
custas recursais, além da possibilidade concreta de ver seu Recurso mal recepcionado
ou mal julgado e, consectariamente, sendo submetido a novo e oneroso
constrangimento consistente na condenação em honorários advocatícios sucumbenciais[1].
Mas as variantes não param por aí. Ainda que, ou mesmo se o fantasmagórico Recurso Inominado
obtenha boa receptividade por parte da assim chamada Segunda Instância dos Juizados
Especiais Cíveis, ou seja, pela Turma Recursal respectiva, o Autor, portanto, sendo
declarado VENCEDOR da demanda, não será
ressarcido das custas[2]
que INDEVIDAMENTE pagou, não será ressarcido de qualquer outra despesa
decorrente do manejo do Recurso Inominado, não será ressarcido das despesas
pela contratação de Advogado[3],
não será ressarcido do tempo desperdiçado, não será ressarcido pelo erro ou
pela aberração jurisdicional praticada pelo Magistrado de primeira instância
cuja sentença fora reformada ou mesmo cassada.
Traduzindo, essa sistemática ou pragmática
esdrúxula contida na Lei Federal 9.099/95 representa um imenso
ou gigantesco disparate jurídico, eis que configura manifesto
tratamento desigual para pessoas que aos olhos da lei não diferem umas das
outras; representa burla retumbante ao princípio constitucional do duplo grau de
jurisdição; representa deprimente chalaça ao princípio constitucional
atinente ao devido processo legal em sua essência.
Não se pode compreender a razão
de tais absurdezas jurídico-processuais não apenas terem vindo à existência,
mas, para maior perplexidade, por permanecerem no mundo jurídico,
como se intocáveis, como se fruto d’alguma genialidade legislativa.
Na pior das hipóteses, essa estropiada
ou flagrantemente desajeitada Lei Federal 9.099/95 haveria de ser
URGENTEMENTE E JÁ TARDIAMENTE alterada no sentido de estabelecer a condenação
sucumbencial TAMBÉM para a parte recorrida, quando, evidentemente, o Recurso Inominado
por qualquer delas interposto vier a ser provido.
Do
contrário, continuaremos, nós os jurisdicionados, sendo vítimas
de uma lei capenga, ilógica, viciada e escandalosamente arrítmica em relação à
Constituição Federal, eternizando-se um FALSO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO,
perpetuando-se TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO DIRECIONADO A PESSOAS EM POSIÇÃO DE
PLENA IGUALDADE, enodoando-se o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, perpetuando-se, estimulando-se
e homenageando-se Magistrados despreparados e descomprometidos com a nobreza do
cargo no qual estão investidos.
[1] “Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o
vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância
de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários
de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor
de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.” (Lei
9.099/95)
[2] “Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em
primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.” (Lei
9.099/95)
[3] “§ 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente
representadas por advogado.” (Lei 9.099/95, art. 41)
“Art. 9º Nas causas de valor até
vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser
assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.”
(Lei 9.099/95)
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