Em meio às inconsistências de uma
inconsistente existência, tudo se exaure inconsistentemente, sem que haja
respostas plausíveis, num estranho contexto de uma cambaleante e errante
humanidade, que a si mesma não se basta.
quarta-feira, 18 de julho de 2018
quarta-feira, 4 de julho de 2018
ENTREVISTA DE UM CALVINISTA
O senhor é crente ou cristão?
Não. Sou antes
de tudo predestinado para viver eternamente. A religiosidade é consequência
direta disso.
O senhor se tornou predestinado por se haver
convertido? Quando isso aconteceu em sua vida?
Não. Deus me
poupou esse trabalho. Eu apenas fui despertado pela Graça Irresistível atrelada
ao Decreto eterno predestinatório.
Bem, mas até onde se sabe a Bíblia faz expressas e
incontáveis menções à SALVAÇÃO. Afinal, como é isso?
Aquilo é uma
alegoria, já que tudo se passou antes da fundação do mundo, antes de eu ter
nascido. Salvação é uma expressão bíblica utilizada por Deus para que o simples
mortal se sinta ou tenha a impressão de que estaria sendo ou que foi salvo ou
que será salvo em determinado estágio temporal. Mas o fato é que Deus já havia
assim estabelecido num contexto de eternidade, sem que eu existisse, sem
qualquer participação de minha parte.
De que modo ou por qual meio o senhor se tornou
ciente de que estaria entre os salvos, ou melhor dizendo, entre os predestinados
para a vida celestial?
Descobri a partir da leitura dos ensinamentos do João
Calvino.
E em que específico momento da vida o senhor se
percebeu um afortunado predestinado?
Foi assim que
eu visitei uma agremiação religiosa seguidora da doutrina proposta pelo João
Calvino.
Mas e quanto às evidências espirituais em sua vida,
mencionadas expressamente e enfaticamente na Bíblia?
Não, não
existem evidências espirituais. O João Calvino ensina que os dons espirituais
descritos na Bíblia não são para nós, não se aplicam a nós, porque restritos
aos personagens bíblicos.
Quer dizer, então, que o senhor é um predestinado
para a vida eterna por mera suposição ou por estímulo de teorias doutrinárias
escritas pelo moço gaulês João Calvino?
Bem... Eu até
leio a Bíblia (com cuidado), frequento reuniões, às vezes canto, digo amém nas
orações e inclusive chego a fazer orações.
Então o senhor crê que Deus ouve orações, isto é, o
senhor acredita piamente que a oração do justo pode muito em seus efeitos,
provoca reações em Deus, como ensina a Bíblia?
Não. O João
Calvino já explicou que tudo (tudinho) está decretado, inclusive orações, e que
nenhum ser humano é capaz de pensar, falar e agir de modo a criar história ou a
escrever história. Segundo nosso mestre Calvino, não há absolutamente espaço
para ações humanas em confronto com a soberania de Deus, por efeito da qual
tanto o bem quanto o mal, tanto isto quanto aquilo, tanto irrestritamente
qualquer variante da vida deriva de um decreto anterior à fundação do mundo.
Sob essa perspectiva religiosa, nenhum ser humano
estaria apto a, por
si mesmo, ficar TRISTE, ficar DEPRIMIDO, praticar CRIMES,
ser DESONESTO, BURLAR O IMPOSTO DE RENDA, FURAR O SINAL DE TRÂNSITO, ESPANCAR A
ESPOSA, MENTIR, ADULTERAR, MATAR, SUICIDAR?
Não! Não é
assim. Conforme os altos ensinamentos do mestre Calvino, homens e mulheres são
detentores de "livre-agência" e, através dela, praticam atos na vida.
A única restrição em relação à "livre-agência" é que ela definitivamente
não habilita ninguém A ABANDONAR O CÉU ou a ESCAPAR DO INFERNO. A
"livre-agência" somente nos permite fazer as bobagens cotidianas...
Hum, então o atributo da "livre-agência" permite ao ser
humano opor-se a Deus? Deus, então, não teria escrito em
seus Decretos Predestinatórios nenhuma das trapaças, desatinos e ridicularias
humanas? Mais do que isso, a vontade humana teria prevalecido relativamente à
soberania calvinística de Deus? De que modo Deus, sendo soberano, todo-poderoso
e todo-predestinador, desconheceria o que o ser humano faria a partir da tal "livre-agência"?
Os seguidores do João Calvino, então, convivem com a ideia de que o mesmo Deus
tudo decreta e tudo predestina, mas "sem interferir"(sic) nas ações
humanas abomináveis e sem impor um ritual histórico marcado pela imutabilidade?
O senhor não acha isso completamente sem sentido?
BEM, nos nossos
cursos teológicos tudo fica bem explicadinho por Doutores especializados...
Mas, então, o que é que nós seres humanos, na
condição Bíblica de imagem e semelhante de Deus, fazemos no curso da
existência?
Nada. Tudo é Deus,
tudo é de Deus, tudo provém de Deus, tudo depende da impulsão de Deus, não
temos vontade livre nem para o bem, nem para o mal, nem para a esquerda, nem
para a direita. Todo facínora, todo ladrão, todo trapaceiro, todo sonegador,
todo corrupto, todo assassino, todo pilantra, todo pelintra, todos estes são
instrumentos da divina providência e só fazem o que Deus assinalou ou mandou ou
decretou ou determinou imutavelmente.
Como eu disse,
temos cursos teológicos com Mestrado, PhD e tudo mais...
Mas, espere! Dentro dessas teses propostas pelo
João Calvino, a Bíblia então necessariamente teria de ser completamente
desconsiderada ou, no máximo, tida como uma espécie de distração religiosa?
Não! Ao
religioso calvinista ou reformado é permitido ler a Bíblia, mas sem se
esquecer jamais dos ensinamentos infalíveis do João Calvino, conforme ele próprio
expressou no livro "Institutas da Religião Cristã", quando salientou que
teria sido inspirado por Deus, ou seja, que seu livro de teses doutrinárias
seria "MAIS DE DEUS DO QUE DELE PRÓPRIO".
Mas o senhor não disse há pouco que os dons
espirituais foram restritos aos personagens bíblicos? Como, então, o francês
João Calvino poderia ter sido "inspirado infalivelmente" por Deus
para escrever um livro que se propõe quase a substituir a Bíblia, tal a
importância que o próprio escritor a ele atribui no prefácio? Alguém que
(supostamente) tenha sido inspirado por Deus para escrever um tratado completamente
ritmado com a Bíblia necessariamente ou obrigatoriamente haverá de ter sido
impelido por um DOM ESPIRITUAL, correto? Ou não?
Digamos, então,
que nosso guia João Calvino tenha sido uma exceção pós-Bíblica...
Então, os calvinistas ou reformados são detentores
da verdade religiosa absoluta?
Sim! Nós e
somente nós estamos no caminho certo, inclusive fizemos publicar nossa
Confissão Calvinista de Fé de Westminster. As demais ramificações religiosas
são hereges e, conforme ensina nosso mestre Calvino e a confissão de Westminster,
devem ser todas elas acossadas com vigor, apanhadas e esmagadas.
Nossos líderes
são doutores, mestres, experts em divindade, ainda que com a divindade não
tendo nenhuma intimidade já que todos os dons espirituais mencionados na Bíblia
não mais existem, tal como pontificado inerrantemente pelo inigualável João
Calvino. Nós nos guiamos pela inteligência ímpar de nossos líderes, pela
capacidade extraordinária de compreensão, pelo insuperável intelecto capaz de
captar aquilo que aos hereges é impossível.
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