Apegando-se unicamente naquilo que repetidamente e incansavelmente
chama de Soberania de Deus, a partir da qual constrói raciocínio e conclusão
plenissuficiente e de tudo excludente, o francês João Calvino, com os aplausos
dos adeptos de suas teses, defende o Livre-Arbítrio como algo absolutamente inexistente,
absorvido ou socorrido pela Graça
Irresistível que alcança e atrai
os Eleitos.
Entretanto, no que concerne aos Réprobos, de maneira reprimida ou
propositadamente sem detença, isto é, sem se alongar no assunto, evitando
abordar o tema, declaram os calvinianos que esses Réprobos por si mesmos se
fizeram abomináveis, sob a ponderação de que o mal não poderia provir de Deus,
muito menos o mal sem causa.
E,
pergunta-se, qual
seria a diferença marcante, perceptivelmente marcante, infalivelmente marcante,
entre os eleitos pela
predestinatória graça irresistível e
os condenados pela
predestinatória desgraça irresistível?
O que os
distingue na prática, na aparência, nas atitudes, no falar, no calar-se, no
agir individualmente, no agir em sociedade, no agir em família, no agir como
autoridade, no agir como legislador, no agir como criatura imagem e semelhança
de Deus?
Na verdade, coerentemente com os próprios pontos de vista
advogados pelos calvinistas, tomando-se como parâmetro de
raciocínio o predestinacionismo ao mesmo tempo eletivo e condenatório, e ao contrário do que eles apregoam, Deus não está soberanamente no
controle de tudo.
O francês João Calvino quer passar enfaticamente,
não obstante contraditória e confusamente, a idéia de que a salvação é ato
unilateral, irresistível e soberano de Deus, barulhando relativamente ao estado
de miserabilidade espiritual do ser humano, acenando com a completa ausência de
atitude, ou de iniciativa, ou de Livre-Arbítrio que possibilitasse a qualquer vivente
voltar-se para Deus.
Todavia, de modo silencioso mas ensurdecedoramente contundente,
os calvinianos incorrem numa brutal contradição, quando, relativamente aos não-eleitos
ou predestinados para a perdição, afirmam, declaram e apregoam que tais pessoas, as
quais, em conformidade com a Bíblia, são em número muito maior do que os
Eleitos, foram por Deus condenadas ao Inferno em
decorrência de sua exclusiva malignidade, isto é, por algo como criatividade humanamente
unilateral, por voluntariedade
particular ou privada, deixando patente que, ao entendimento desse movimento
religioso, Livre-Arbítrio existe,
sim, mas apenas para quem opta por se tornar ou escolhe ser iníquo.
Exposto de outro modo, no dizer dos calvinianos, jamais admitindo o Livre-Arbítrio dos
malditos, limitando-se a vagamente declarar que eles autonomamente(?!) se fizeram culpados ou insusceptíveis
de absolvição pela Graça, não
obstante escudando-se generalizadamente e unicamente no que entendem ser
resultado da Soberania Divina; sim, no entender desse segmento religioso, por um
lado Deus predestina irresistivelmente os Escolhidos, sem que mereçam, sem que
detenham autonomia de vontade; enquanto que, d’outro lado, igualmente predestinando
os Réprobos, atribui a estes total liberdade de escolha, capacidade de se
oporem a Deus, de resistir a Deus, de desafiar a Deus, de rejeitar a Deus, de
espernear, de fazer pirraça contra Deus.
Por
que, então, cargas-d’água os calvinianos insistem em dizer que Livre-Arbítrio
não existe?
Em realidade, ou na
prática cotidiana, os calvinianistas, diferentemente do que repetidamente
discursam, aceitam, sim, a
realidade do Livre-Arbítrio, ainda
que sistematicamente o omitam e o encubram com artifícios
retóricos.
Com
outras palavras, o
Eleito, de
acordo com a prédica de Calvino, volta-se
a enfatizar, é predestinado imerecidamente, pela Graça
dita como irresistível, sem qualquer oportunidade de escolha ou de exercício de
vontade;
enquanto que o Réprobo ou Ímpio ou Maldito, embora predestinado para a eterna separação de Deus,
ver-se-á frente a frente com tal realidade existencial por sua peculiar culpa(sic), por seu
próprio esforço(sic), voltando as costas para Deus, voltando as costas para a
Graça, voltando as costas para o bem, escolhendo ser mau em vez de buscar o
bem, rejeitando explicitamente e indesculpavelmente a Deus.
Ou seja, na ótica do João Calvino, o Réprobo é dotado de força de vontade autoconducente, ao
contrário do Eleito que nada pode fazer contra o chamado divino que o atrai de modo irrecusável.
Afinal,
que Soberania estranhamente bifurcada, discriminadora
e segregadora seria essa?
Que Livre-Arbítrio(sic) unilateral
ou tendencioso ou milimetricamente orquestrado seria esse?